Introdução e Capitulo 1 - Concepções

CONCEPÇÕES: O olhar das professoras e funcionários da Umei Pituchinha

Este texto é escrito baseado no trabalho em grupo dos funcionários da Umei Pituchinha presentes na reunião de construção do PPP do dia 12 de julho.  As reuniões têm a duração de 2 horas, e a dinâmica de trabalho que gerou esse texto foi a discussão prévia do que seriam concepções, logo em seguida escolhemos que concepções seriam discutidas e foram eleitas INFÂNCIA, SOCIEDADE, SABER DOCENTE, EDUCAÇÃO INFANTIL, FORMAÇÃO HUMANA, INCLUSÃO SOCIAL, ficaram de fora da conceituação (mas não fora da discussão) o conceito de ESCOLA e EDUCAÇÃO devido ao número de pessoas presentes que não atendia o numero de divisão de grupos de discussão. Contudo, percebemos que esses conceitos estarão permeando todas as outras idéias. Após a escolha das temáticas a serem discutidas as professoras, equipe da direção presente e a representante da regional, Cláudia Cascardo, foram dividas em grupos e iniciaram o debate. Transcorridos 40 minutos de discussão tentamos iniciar a apresentação dos grupos, entretanto, somente um grupo iniciou a discussão sobre a temática infância e esse tema levantou elementos sobre as outras temáticas, mas o tempo da reunião encerrou. Combinamos que a próxima reunião, 24 de agosto, seria uma apresentação dos outros grupos, mas essa apresentação seria mediada por esse texto baseado nos escritos das funcionárias presentes. Esse combinado deve-se ao fato da necessidade de concretizar a produção do PPP em um texto, e conhecendo a dinâmica da Umei Pituchinha e a vida pessoal das profissionais da escola, preferimos construir um texto e, a partir dessa escrita, debater as idéias presentes na escola.
Conceituamos concepção como um jeito de ver o mundo, uma teoria que direciona nossas decisões e ações. Essa teoria seria como os óculos que nos permite representar a realidade em palavras, e esses óculos interpretam e explicam o real. Essas concepções também nos permitem construir posições de sujeitos no mundo e direcionam nossos discursos e enunciados[1]. Assim, concluímos que as concepções presentes nesse documento estão em constantes transformações, pois o PPP é uma reflexão sobre o saber prático diário presente na Umei Pituchinha. Portanto, não é interesse construir teorias desconectadas do restante do projeto. E assumimos como desafio interpretar as concepções, os óculos, presentes em cada fazer diário da Umei e este exercício será essencial para direcionar as constantes transformações do saber prático.
Ao conceber a Umei como um espaço de transformação, indicamos também como pensamos a sociedade, pois, esse espaço faz parte da rede social, ela apresenta elementos da sociedade que são trazidos por todos os sujeitos que ali se encontram. Tal concepção nos ajuda a perceber a sociedade também com tais características. Entendemos que a sociedade é formada de vários lugares que formam os sujeitos, cada espaço social que possibilita o encontro entre os seres humanos (mesmo que virtualmente) é um espaço de formação. A família, a escola, a igreja, a rua, o trânsito, a TV, o cinema, os espaços de lazer em geral, o hospital, etc. são locais onde as pessoas se relacionam e aprendem posturas de sujeito.
Por outro lado, esta sociedade formadora esta permeada por relações de poder que direcionam ações. O mundo globalizado, nos marcos do sistema capitalista,  apresenta sinais de crise acentuada na humanidade, de proporções catastróficas: desigualdades sociais, com realidades de extrema pobreza nos países periféricos, acompanhadas das mazelas delas decorrentes (desemprego, fome, doenças, baixos níveis de escolaridade, paupérrimas condições de moradias, violência de naturezas diferentes, drogas, etc.) e degradação ambiental com sérios riscos de colapso ecológico. Em contrapartida, a tecnologia avança a níveis sofisticados, os ricos ficam cada vez mais ricos e cresce o consumismo desenfreado, gerando uma situação preocupante (GRANGEIRO, 2009).  O retrato da sociedade transcrito pelo autor ajuda a refletir sobre quais são os elementos formadores que estão presentes na sociedade. Quais são os comportamentos legitimados pela mídia, igrejas, escolas, espaços de lazer etc.?
Embora existam muitas respostas, o que percebemos e que autores com base no marxismo explicam é a mercadorização da sociedade. As pessoas se tornam cada vez mais consumistas para fazer girar a roda do capitalismo. Não negamos que o capitalismo trouxe avanços tecnológicos, mas os custos para a grande parte da população são altos. Avaliamos que a grande mídia, apresenta um poder de formação sedutor, e ela legitima um padrão de ser sujeito: sujeito consumidor, sujeito bonito (branco, corpo modelado em academias, cabelos lisos e traços europeus), sujeito dócil e detentor das saberes das elites, sujeito trabalhador, sujeito que se contenta com a pobreza, mas com o sonho que um dia sua sorte chegará, sujeito que não desiste nunca. Toda a mídia esboça privilégios para quem se enquadra nesses padrões, como diz ELLSWORTH (2001), a mídia seduz com vantagens abstratas quem assume determinado papel em filmes, novelas, comerciais, etc. Esse poder midiático atrai os sujeitos e assumimos a postura de consumidores sem refletir sobre o processo.
Essa influência capitalista fortalece a lógica do maior valor do trabalho em detrimento ao lazer. O brincar, associado ao lazer, perde sua legitimação quando vivemos em um mundo em que o “trabalho dignifica o homem” e quem não trabalha é “vagabundo”. Entendemos que o homem só muda o mundo pelo trabalho, mas não o trabalho alienado, explicado por Marx, e valorizado pela sociedade na qual o capital (dinheiro) tem mais valor. O lazer mercadológico, utilizado pelas mídias (cinema, novela, revistas, livros, viagens, comprar no shopping, etc.) divulga conhecimentos sobre o fazer capitalista, e apesar de ser valorizado quando associado ao trabalho, o lazer por si só não tem valor formador para a sociedade. Portanto, se dá o fato  de tão dificilmente as escolas, e incluo a Umei Pituchinha, exercitarem o constante desafio de legitimar o brincar como conhecimento formador do sujeito no tempo da infância.
Como afirma Magnani (2000), o lazer e o brincar são campos através dos quais podemos refletir sobre a sociedade com seus grupos, suas formas de organização temporal/espacial, sua sociabilidade e seus conflitos. Sendo um suporte de múltiplos significados, pode oferecer uma via de acesso ao conhecimento dos impasses e das possibilidades que se abrem na nossa realidade.
Tais considerações ressaltam o potencial do brincar para mobilizar experiências revolucionárias e inovadoras, no sentido de concretizar uma educação transformadora. Por meio de diferentes linguagens – tais como a música, a poesia, o grafite, a pintura, a escultura, a dança, as vivências e expressões corporais, a fotografia e o teatro, entre inúmeras outras – é possível (re)elaborar valores e caminhar em direção ao processo de (re) construção da nossa sociedade pelo prisma da cultura. O brincar é um fenômeno que pode aguçar nossas sensibilidades (sensibilidade que está relacionada ao plano sensorial, mas que deve ser também sensibilidade social, política, ecológica, etc.), nos ajuda a conectarmos com nosso corpo e contexto, nos estimular a pensar sobre a nossa sociedade para transformá-la e refletir sobre questões mais amplas, pois ele está estreitamente vinculado aos demais planos da vida social. (GOMES, 2010).
O Brincar, eixo norteador da EI em BH, associado ao lazer,  é um lugar de possibilidade de fazer diferente. Conceituamos a Umei como um espaço de formação humana e encontro, tal qual a sociedade. Contudo, percebemos que a sociedade é um local permeado de relações de poder (como a Umei) com interesses múltiplos. Dados numéricos demonstram o aumento de práticas de consumo e violência na sociedade, assim existem interesses hegemônicos que são difundidos pelas mídias. A Umei tem a nosso ver um poder de fazer frente a esses interesses, e o brincar pode ser aqui legitimado como uma produção humana tão importante quanto às outras múltiplas linguagens. O brincar também pode ser pensado como uma ferramenta para formar sujeitos mais reflexivos quanto ao consumo, por exemplo: ao brincar de ir ao shopping a professora pode questionar se as crianças precisam mesmo de mais uma roupa, de mais um carro, ou se não bastaria só o necessário. Estas e outras ações possíveis podem ajudar as crianças a pensarem sobre o brincar de shopping.
A formação humana é entendida aqui como um procedimento de mediação entre os sujeitos trabalhadores da escola e os conhecimentos que as crianças vão se apropriando dentro e fora da escola. A aproximação com as famílias passa a ser um ideal para a formação humana, pois o nível de influência, para garantir que as crianças se apropriem de determinados valores que consideramos importantes (veremos nas finalidades), aumenta e pode fazer frente ao lugar das seduções apresentadas pela mídia.
Evidente que é necessário pensar nas intervenções que são realizadas nesse lugar de encontro e de formação, aqui o saber docente entra em ação. As professoras da Umei acreditam que para uma boa intervenção as pessoas devem: respeitar as individualidades das crianças; saber utilizar o conhecimento prévio dos alunos na construção do conhecimento; unificar o ideal de educação entre todos da Umei. Mas existem dificuldades que devem ser superadas na escola para alcançar tais práticas docentes: a quantidade de crianças para cada educador é alta; Falta de tempo para que as pessoas possam se encontrar na escola e fazer projetos conjuntos, pois se acreditamos que é no encontro que as pessoas se formam e se relacionam seria necessário um tempo de trabalho especifico para tal ação.
Essas realidades da Umei, (como veremos nos capítulos específicos) afastam as professoras dos procedimentos de reflexão para mudar práticas enraizadas na escola. Para tais mudanças é necessário momentos de ressignificação do espaço escolar. Para Bhabha (1992), trata-se de um espaço da ressignificação, da possibilidade de dissolução de estereótipos e preconceitos e de empoderamento, de fortalecimento da autoconfiança e da capacidade de ação das pessoas e dos grupos populares. Ou seja, não podemos ficar no lugar de vítimas. Afinal, “a partir do momento em que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa.” (FOUCAULT, 1979, p.241).
Ressignificar a EI passa pelo saber docente e pela formação e reflexão sobre esse saber e fazer. A prática diária com as crianças necessita de planejamento, criatividade e avaliações constantes para que sejam possíveis novas práticas. É fundamental entender quem é a criança que está na Umei Pituchinha, e necessário entender que período a criança vive.
Os profissionais da Umei acreditam que infância é um momento de vivências múltiplas com uma cultura própria que se justifica em si mesma. É permeada de elementos de outras culturas (adolescência, adulta e idosa).
A EI seria uma pedagogia centrada, que prioriza a criança como sujeito, respeitando todos os tempos/espaços, abrangendo as múltiplas linguagens. A infância seria uma etapa de desenvolvimento integral da criança e entende o brincar e educar como práticas indissociáveis.
Legalmente a EI foi definida como a primeira etapa da educação básica. Nesse sentido, as instituições coletivas que trabalham com crianças de 0 a 6 anos são instituições educativas que tem o papel social de cuidar delas e educá-las.
Levantamos como entraves que a EI é desqualificada quando: desvalorização profissional; a qualificação do profissional em horários que dificulta a presença de todos; a ausência da família na escola; falta de profissionais na escola. Mesmo com essas situações a EI acontece. A solicitação constante por melhores situações aos gestores faz parte do cotidiano.
Considerando a inclusão social como princípio de toda a educação formal, como compromisso político ético e moral com a diversidade de gênero, sexualidade, religião, cultura, classe social, etnia e com as deficiências, valorizando as diferenças e fazendo do espaço de educação um ambiente de “multiplicidade” propício as vivências dos sujeitos. Assim, percebemos as dificuldades de trabalhar a inclusão de forma efetiva.
É na EI que as crianças vão ter maior oportunidade de conviver com a diversidade social, estreitando suas relações de companheirismo e amizade. É importante que elas vivenciem as diferenças físicas, sociais e culturais como fator positivo da construção/reconstrução da sua identidade e de cada pessoa. O trabalho na Umei não deve negar ou silenciar o preconceito, mas problematizá-lo e promover o respeito ao direito de todos.
Elegemos como barreiras a serem superadas: a falta de estrutura física; a falta de formação dos profissionais para ressignificarem espaços; ações em conjunto com a comunidade; e falta de apoio da família.
Concluímos afirmando que, embora esse texto não seja uma produção de todos os funcionários da Umei, ele se legitima como o retrato de um grupo pertencente a esse coletivo. As concepções aqui impressas são frutos de debates, e não consensos, pois é a partir do diálogo que acreditamos na formação.